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  • Foto do escritorLucas Soares

COLUNA | Entre o amor e o sexo


Imagem: Acervo Urbano

Certamente você já se deparou com essa máxima dual: Amor ou Sexo? No amor, discursos cheios de romantismo são levantados com um teor fantástico que nos geram uma sensação de entorpecimento e, logo após, o questionamento cruel se aquilo era mesmo algo real ou seria um produto de combustões químicas monumentais bombardeando meu cérebro. No sexo, o mesmo abalo químico doma o corpo com um tom animalesco nos levando aos precipícios primitivos da nossa existência, ascendendo o prazer a um nível tão singular que o corpo cede às suas pressões e se deixa domar por elas, ao ponto de contorcer-se sem pudor, apenas o mais elementar dos prazeres carnais nos lembrando do cerne da nossa natureza. Por que esses elementos são postos, por vezes, em lugares dicotômicos distantes? Seriam Amor e Sexo opostos? Eu duvido!


É evidente as discussões entre amigos “emocionados” e aqueles que chamamos carinhosamente de “vadias” (risos). As duas terminologias adicionam um valor preocupante para os dois movimentos. Quando alguém se abre para desfrutar emocionalmente de uma relação, ela é vista como “emocionada”, frágil, dependente? E quando se abre para o seu desenvolvimento através de múltiplas experiências sexuais, a classificamos como “vadia”, desapegado, promíscuo? O valor pejorativo dessas expressões não surgiu do nada.


Atualmente, vivemos um contexto onde lidar com emoções se tornou algo extremamente difícil. Nos tornamos intolerantes ao sofrimento e buscamos viver um estado constante, quase patológico, de felicidade pura. Logo, fica muito evidente em nossas expressões artísticas como evitamos sentir. Sou apaixonado por todas as vertentes do funk brasileiro, e agora te convido a pensar em algum funk famoso. Pensou? A probabilidade dele ser sobre um envolvimento sexual sem sentimento, é gigantesca! “Pente e tchau”, “sento sem sentimento”, “não quero saber de papo de emoção”... Vamo rebolar sempre, mas agora vamo colocar a mão na consciência também (risos).


Historicamente, somos um país de matriz cristã e com isso o olhar para a vida sexual das pessoas sempre teve uma sombra assustadora e um risco mortal de arder nas chamas do inferno para qualquer um que decidisse explorar isso. Para Vygotsky, psicólogo russo, pai da Psicologia Sócio-histórica, o desenvolvimento da sexualidade ganha saltos qualitativos na adolescência, ao mesmo tempo que o teórico considera a influência social e cultural que atravessa o sujeito, como peça central para as características e o ritmo em que esse processo se dará. No Brasil, país laico que não é laico, sofremos violência constante diante da nossa sexualidade, especialmente mulheres e pessoas LGBT’s. Contudo, como isso me afeta na relação Amor & Sexo?


Na adolescência, segundo Vygostki, estamos no período crítico para desenvolver nossa vida sexual e nossos encontros com pares românticos também. Isso nos é tirado muitas vezes pelas violências incitadas pelos dogmas religiosos, machismo e conservadorismo. Quantas vezes você ouviu uma pessoa LGBT falar que está vivendo sua adolescência depois dos 20? Isso é triste! Um direito aviltado. Esse cenário, irá propor que essa pessoa viva múltiplas experiências sexuais no início de sua vida adulta, o que contribuirá grandemente para o seu desenvolvimento, sua autoestima e para que ela finalmente se sinta desejada, sensual, bela, finalmente uma grande gostosa! Muito diferente de ouvir quando criança; “Viadinho!” “Essa menina vai ser puta”, “esse menino tem um jeitinho afeminado, que feio!”, “Olha o tamanho da roupa daquela menina, com certeza não é de família”. Entende como tudo isso pode ter te deixado receoso de viver sua vida sexual ou julgar quem tenta fazer isso? E como depois de conseguir colocar-se um pouquinho pra fora disso, é importante viver intensamente essas experiências para se empoderar dentro dos seus processos pessoais, de saúde e de autovalorização?


Ao mesmo tempo, vejo constantemente que quando alguém se propõe a ser intenso e genuíno com o que sente romanticamente por alguém, isso é socialmente reprovado. O estranhamento diante da possibilidade de sentir algo tão envolvente quanto paixão, é assustador para essa sociedade que se volta para o pragmatismo simplista cada vez mais. Quantas pessoas você conhece que aderiram a um modelo robotizado de existir para dar conta da vida, simplesmente por não terem recursos psicológicos para lidar com suas emoções? E elas não tem culpa disso! Como vimos anteriormente, nós fomos violentados, impedidos em um tempo propício de investir nas nossas relações e construir ferramentas para lidar com os temperos da vida: as emoções. Todas elas carregam uma função que pode dar gosto a sua vida, melhorar suas habilidades, te dar sentido enquanto passamos esse tempo aqui. Ao invés de investirmos nisso, vemos um movimento patologizante das emoções, como se elas fossem o problema e não o fato de termos crescido sem conhecimento de como manejá-las.


Com isso, apaixonar-se e viver essa paixão não vem de um campo puramente entorpecente que mereça ser evitado. Pelo contrário, entorpecer-se faz parte da vida desde os primórdios da civilização. A diferença que fazemos é que apenas na adultez pode-se entorpecer. E aí, você é adulto suficiente para viver o amor? Chocante né?! Fiz de propósito! É injusto e imaturo que a gente se posicione diante do amor e da paixão com um olhar tão seco e desaprovador, isso só fala da nossa incapacidade de lidar com algo tão lindo. A paixão e o amor, tem uma influência tão boa sobre nosso corpo e mente que é capaz de diminuir dores físicas, aumentar os picos criativos e até mobilizar espaços de cura emocional, como coloca John Bowlby, psicólogo e psiquiatra britânico, autor da Teoria do Apego.


Neste pressuposto, o autor aponta que apenas uma única experiência de relação saudável envolta em amor pode contribuir com a reformulação do padrão de relacionamento de uma pessoa, ou seja, teoricamente, mesmo que uma pessoa tenha sofrido fortes violências durante sua vida (lembra de certos grupos que falamos mais cedo?!), ainda assim, com relações saudáveis cheias de amor, essas pessoas vão poder desenvolver um novo modo de lidar com sua realidade, com suas relações e com seus sentimentos! É uma ferramenta muito poderosa para mudar a forma como estamos vivendo enquanto sociedade, tratando nossas emoções como resquícios do primitivismo da nossa espécie, quando na verdade, elas são a primazia do que nos torna humanos, elas não são um empecilho para o nosso crescimento, elas fazem parte dele e o potencializam sempre que nos utilizamos sabiamente delas!


Com isso, temos a intenção de gongar essa discussão fajuta de que Amor & Sexo são opostos, que merecem julgamentos morais simplistas, comentários preocupantes que só nos atrasam. Chega disso miga! Vamos nos mobilizar para validar os dois movimentos como parte da nossa experiência de vida, seja o momento em que você vai se empoderar na sua vida sexual a partir de experiências mais líquidas ou se você vai ficar de conchinha com seu ficante depois de um amorzinho suave. Todos esses movimentos merecem espaço, eles fazem parte do seu processo de desenvolvimento para se tornar versões mais coerentes de ti mesmo! Então, sempre que precisar, usa esses argumentos, seja dando e/ou amando, eu to sempre truando na escadinha da vida porque não vou ser um reflexo do passado, engessado por escolhas que eu não fiz, limitado por regras que não criei e sofrendo por julgamentos infundados que só vêm para destruir vivências incríveis. Desfruta do teu corpo e da tua alma. Isso é viver integralmente!


Sobre o Autor

Lucas Sores é um psicólogo clínico formado pela UNP, aluno laureado, muito falante, adora longas conversas sobre temas complexos ou descorre por horas em um besteirol embasados nos memes mais icônicos da história. Nascido em lar cristão, precisou se reinventar enquanto pessoa quando perdeu sua mãe aos 15 anos e se entendeu como pessoa LGBT e hoje trabalha em seu consultório, principalmente, com temáticas como violência contra mulheres e pessoas lgbt, luto e regulação emocional tudo com muito bom humor e dinamismo. Lucas escreve mensalmente sobre comportamento no Acervo Urbano.


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