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  • Foto do escritorLucas Soares

A saúde mental é uma das principais preocupações em saúde no Brasil: RN está no topo do ranking


Imagem: Acervo Urbano

O Janeiro Branco se associa à lógica reflexiva e interventiva quando movimenta todo um país para um olhar mais cuidadoso com a nossa característica mais preciosa: a mente humana. A principal fonte de inovações e desenvolvimento da humanidade, também pode cultivar em si terrores que alteram fortemente como a realidade é percebida por essas pessoas adoecidas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), só no primeiro ano de pandemia a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou cerca 25%. Esse cenário se intensifica no Brasil, como ressalta a pesquisa Global Health Service Monitor, feita pela empresas Ipsos em 34 países espalhados por todos os continentes: no Brasil, a porcentagem de cidadãos que se preocupam com a saúde mental saltou de 18% em 2018 para 49% em 2022. Esse número ultrapassa o medo de ter câncer (29%) e obesidade (15%), antes postas como principais preocupações em saúde pela população.


Com o advento da pandemia, ficou nítido que a Saúde Mental precisava ganhar protagonismo em todo o mundo. Os efeitos colaterais impostos pela realidade da pandemia, foram além das mortes e das sequelas biológicas deixadas pelo vírus. Em 2021, a OMS já alertava para uma futura “pandemia de saúde mental” quando os casos de infecções respiratórias diminuíssem.


Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de Natal, entre 2018 e 2022, houve um aumento de mais 32% na busca por serviços especializados em saúde mental. A capital ocupa a segunda colocação no ranking nordestino das cidades com pessoas diagnosticadas com depressão, chegando a ter 11,8% dos adultos natalenses nesse quadro, ficando atrás apenas de Recife que apresentou índice de 12,5%.


Na escalada desse sentimento generalizado de ser vítima dos Transtornos Mentais, percebe-se uma crescente busca por informação a respeito do adoecimento psíquico. Ansiedade e Depressão estão no topo das procuras, segundo dados oficiais da Google, maior plataforma de busca da internet, só em 2021 foram registradas 13,5 milhões de buscas relacionadas às palavras-chave “ansiedade” (7,5 milhões) e “depressão” (6 milhões). Curiosamente, estes são os transtornos mentais mais comuns na população brasileira (OMS). A recorrência desse diagnóstico aponta para um problema de Saúde Pública, o que tem levado pesquisadores a rever critérios diagnósticos e propor novas intervenções terapêuticas a partir das proposições mais recentes no cenário acadêmico. Visto que os Transtornos Mentais apresentam uma variedade muito grande de causas geradoras, a mediação terapêutica se constrói a partir de pressupostos teóricos dentro das abordagens psicológicas escolhidas por cada profissional que realiza a análise. Uma Abordagem Psicológica, funciona como um óculos que facilita o entendimento da temática. Neste caso, existem vários “óculos” possíveis para que terapeutas compreendam a demanda, por isso, é possível ver algumas diferenças na forma de postular essa análise, mas a qualidade da investigação é assegurada por toda abordagem que segue modelo científico e tem cobertura do órgão fiscalizador da prática psicológica, os conselhos regionais e o Conselho Federal de Psicologia (CFP).


Numa análise mais complexa dos Transtornos Mentais, foi possível compreender que as bases biológicas não forneciam arsenal suficiente para compor a lógica de funcionamento dos transtornos. Assim, hoje em dia, é importante que aspectos psicológicos, emocionais, sociais, políticos, econômicos, histórico-culturais e relacionais sejam postos em equivalência aos aspectos orgânicos, ou seja, a causa do surgimento de um Transtorno Mental não reside apenas em uma predisposição genética, mas estes compõem uma faceta contribuinte da problemática. Portanto, se torna imprescindível que qualquer profissional que se comprometa em entender a vivência de alguém que pode ter um Transtorno, o faça considerando todos os aspectos supracitados e que proponha intervenções em mais de uma dessas instâncias, do contrário, é possível que se apazigue os sintomas, mas que o cerne da lógica adoecedora permaneça.


Segundo a Psicologia Sócio-Histórica, abordagem psicológica que tem por precursores grandes nomes da ciência do século XX, como os psicólogos Lev Vigotski e Alexander Luria, os filósofos Karl Marx e Friedrich Engels e até o naturalista Charles Darwin, aponta que a mente humana segue um processo de desenvolvimento diferente de outras espécies animais. O teor dependente desta espécie que não sobrevive sem um adulto nos seus primeiros anos de vida, acabou por conectar, evolutivamente, o desenvolvimento neurobiológico aos aspectos sociais e histórico-culturais da vivência do sujeito, ou seja, se uma pessoa é retirada do contato com sua espécie nos primeiros anos de vida, ela não vai conseguir desenvolver a principal característica Humana: a consciência. Esta, é formada a partir do que se conhece como Funções Psicológicas Superiores (FPS): percepção, memória, atenção, imaginação, pensamento, linguagem, vontade e emoção. É na atividade dessas FPS que tem-se o que comumente é posto como Consciência. Quando se fala de Transtorno Mental, é importante compreender que uma ou mais FPS estarão afetadas pelo sofrimento que, como posto anteriormente, pode se apresentar de forma única na experiência de vida de cada pessoa. Esse entendimento nos dá uma chance de intervir no adoecimento para além do uso de medicações, um recurso extremamente eficaz no tratamento dos transtornos, mas que não deve ser o único. Por isso, inúmeras ações estratégicas em saúde têm sido fomentadas no cenário acadêmico, dentre elas, psicoterapia clínica, mais difundida no Brasil, psicoterapia de grupo, arteterapia, terapias integrativas, fitoterapia, dentre outras, pensando que sempre é bom combinar mais de uma intervenção para melhora das perspectivas prognósticas.


Ponderando o nexo de surgimento de um transtorno mental, é necessário que se dê espaço, acolhimento e informação às pessoas que convivem com alguém que foi diagnosticado nestas condições. Considerando os dados estatísticos apresentados anteriormente, uma grande parte da nossa população deve lidar diariamente com os atravessamentos impostos pelo adoecimento. A ampla divulgação de conteúdo psicológico sem fidedignidade técnico-científica, tem levado muitas pessoas, pacientes e entes queridos, a adotarem comportamentos disfuncionais em suas relações. Para além da minimização do sofrimento desses pacientes a partir de falas depreciativas, aviltantes da sua autonomia, existe a utilização do diagnóstico como ferramenta para absolvição diante de práticas abusivas de pacientes da saúde mental.


A primeira, visa diminuir a experiência do sofrimento proporcionado pelo adoecimento, colocado genericamente como frescura, fraqueza, falta de fé ou mesmo de disciplina. Essas falas não contemplam coerência científica e, como visto previamente neste texto, as afetações da consciência são muito significativas e por vezes, limitantes. Também, não compreender o próprio transtorno, é o que leva a segunda afirmação para um lugar de recorrência desaforado, onde alguns pacientes se eximem das suas responsabilidades e do seu lugar enquanto adultos conscientes, produzem violências com seus entes queridos e buscam absolvição no discurso incapacitante que seu transtorno teria gerado, levando-os a agredir outros física, emocional e/ou patrimonialmente. Neste contexto, não é fácil falar sobre praticar ou sofrer violência. O que se expressa dentro das relações, frequentemente, não é constituído por uma intenção vilanesca de produzir o mal, mas essencialmente pela falta de conhecimento consistente sobre a temática em questão. Dessa forma, fica um alerta para perceber-se enquanto alguém que pode vivenciar as duas realidades: ter seu adoecimento minimizado ou mesmo sofrer com alguém que usa o transtorno como álibi enquanto viola sua integridade física, emocional e/ou patrimonial. Reconhecer os elementos dessa vivência é o primeiro passo para construir estratégias de mudança. É recomendado que em ambos os casos se tenha ajuda profissional e/ou com familiares e amigos.


Por fim, o ar esperançoso de renovação e a crescente valorização da saúde mental, trazem uma tonalidade diferente para este Janeiro Branco. Após o enfrentamento fatigante da pandemia do COVID-19 e de toda instabilidade econômica e política no Brasil, a população se volta atenciosamente para os cuidados em saúde mental. Como nunca antes, a procura pelos serviços e por informação de qualidade tem crescido e com ela novas proposições de defrontação surgem no horizonte. Os aspectos fundamentais da constituição e atividade da Consciência Humana são os responsáveis pelo desenvolvimento da espécie e da sociedade como um todo. O adoecimento, incrustado nas tentativas da Humanidade de se colocar de forma mais coerente neste planeta, não deve ser ignorado. Os sintomas do gênero Humano, agora mais latentes após ter-se posto à prova intensamente diante do sofrimento titânico da dura realidade global, são uma dica, um exame nítido do caminho que traçamos evolutivamente até aqui. Com sua natureza impessoal e sem juízo de valor, a situação geral de saúde mental, ressalta os erros e acertos de uma civilização que cambaleia na autovia para um estado que possa se orgulhar, olhar para sua constituição e perceber que alcançou aquela lista de conceitos de uma sociedade melhor. Embora a jornada seja longa, uma esperança madura se levanta quando unimos os esforços íntimo-pessoais às lutas sociais, trabalhando diligentemente pela saúde individual, na busca por recursos de cuidado e crescimento ou pelejando bravamente para que as instituições e meios coletivos zelem com primazia pela garantia dos direitos conquistados e que prospectem campos ainda mais humanizados e os disponibilizem à população.


Dessa forma, este Janeiro nos traz uma tela em Branco. No seu reflexo incandescente enxergamos uma história acinzentada, marcada por traços que não conseguimos nos orgulhar. Contudo, a memória das cores usadas previamente nos dá uma chance de pincelar novas tonalidades daqui para frente, na esperança de que o que foi feito de errado pode, em alguma instância, ser remediado, e que é possível construir em cor vibrante um legado matizado pelas melhores conquistas. Neste quadro, novamente sem cor, consideramos todas as obras penduradas antes deste momento e respeitosamente decidimos aprender com seus contornos e nos inclinamos para uma policromia empática e cortês que será autora de uma seleção corada de realizações humanas.


Autor/fonte: Lucas Hedy Nunes Soares

CRP 17/5677 - Psicologia do Luto e Trauma


SOBRE O AUTOR

Lucas Sores é um psicólogo clínico formado pela UNP, aluno laureado, muito falante, adora longas conversas sobre temas complexos ou discorre por horas em um besteirol embasados nos memes mais icônicos da história. Nascido em lar cristão, precisou se reinventar enquanto pessoa quando perdeu sua mãe aos 15 anos e se entendeu como pessoa LGBT e hoje trabalha em seu consultório, principalmente, com temáticas como violência contra mulheres e pessoas lgbt, luto e regulação emocional tudo com muito bom humor e dinamismo. Lucas escreve mensalmente sobre comportamento no Acervo Urbano.

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